Testes não medem eficiência da escola, diz especialista
ANTÔNIO GOIS
Clipping Educacional - Folha de São Paulo
O
brasileiro Flávio Cunha, 38, ingressou há 11 anos no doutorado em
economia da Universidade de Chicago disposto a estudar lei de falências.
Ao assistir as aulas do prêmio Nobel de Economia James Heckman, no
entanto, mudou de ideia.
Heckman,
mundialmente reconhecido por estudos que comprovam a importância de
intervenções de qualidade nos primeiros anos de vida da criança,
convenceu Cunha a se juntar a ele em uma nova empreitada.
Juntos,
os dois passaram a investigar o impacto que intervenções na infância
tinham em habilidades não mensuradas em testes escolares. A conclusão
foi que, mesmo não tendo efeito tão significativo em testes de linguagem
ou matemática, programas de alta qualidade foram decisivos para, na
vida adulta, diminuir o envolvimento em crimes ou casos de gravidez
precoce.
Para
ele, esses achados evidenciam que é um erro avaliar o impacto da escola
somente através de testes. Ele critica também o fato de, no Brasil, as
discussões sobre investimento na primeira infância se limitarem, em sua
opinião, a discutir a quantidade de vagas em creche.
Cunha
hoje é professor da Universidade da Pensilvânia. Participa nesta semana
do 1º Fórum Insper de Políticas Públicas, em São Paulo.
Folha
- Políticas públicas de qualidade para a primeira infância costumam ser
muito caras. Não é irrealista imaginar que um país como o Brasil tenha
condições de adotá-las, já que 80% das crianças de zero a três anos hoje
estão fora de creches?
Flavio
Cunha - O que me preocupa no caso do Brasil é esta ideia de que
política para a primeira infância se resume a construir creche. O debate
sobre primeira infância foi praticamente sequestrado por essa ideia.
Discute-se o prédio, mas sabe-se lá o que as crianças vão fazer lá
dentro. Ninguém debate currículo de creche.
Deveríamos
estar mais preocupados em adotar programas que comprovadamente deram
certo. A implementação deles foi cara, pois eram atividades que serviam
poucas crianças. Mas é possível implementá-las sem um custo tão elevado.
Quando
se fez o primeiro Ipad [dispositivo da Apple lançado no ano passado],
ele foi extremamente caro. Mas, a partir do momento em que se cria um
modelo, é mais fácil replicá-lo de forma mais barata.
O que há em comum nessas experiências que foram eficientes?
É
importante ter um currículo em que as crianças interajam com os
professores, que aprendam por meio de um método que explore perguntas
indiretas, que as induzam a falar. Evita-se perguntas em que a resposta
será sim ou não. O mais importante, neste caso, não é saber se a criança
completou ou não uma tarefa, mas é o professor fazê-la explicar.
Tenho
um colega com um filho de três anos no Brasil que resolveu acompanhá-lo
na creche. Ele relatou que o filho era submetido a uma rotina muito
forte. Brincava muito com as outras crianças, mas quase não tinha
interação com o professor.
A
vantagem dos programas que deram certo é que não duram o dia inteiro.
Duas ou três horas podem ser suficientes, e isto pode acontecer dentro
de creche ou não.
Pesquisas
vem comprovando que o nível socioeconômico dos pais é determinante para
o sucesso dos filhos. Isso não gera um tipo de determinismo social?
Em
um estudo muito interessante feito nos Estados Unidos, pesquisadores
visitaram várias famílias e gravaram o que acontecia em casa por uma
hora.
Identificou-se
que em famílias de pais com nível superior, eles falavam nessa uma
hora, em média, 2.500 palavras para seus filhos. Em casas onde os
responsáveis não tinham completado o ensino médio, esta média caía para
500.
Essas
crianças entrarão na escola com um déficit em relação às demais, e não
será numa sala com 30 alunos que isso será revertido. O papel da família
é extremamente importante. Boa parte do sucesso dos programas foi ter
ensinado aos pais o quanto o envolvimento com os filhos era importante.
Por
outro lado, não podemos achar que basta investir na primeira infância
para reverter esse déficit. Não podemos achar que não precisamos nos
preocupar com a qualidade da escola.
Você
e o economista James Heckman estudaram o impacto desses programas em
habilidades não-cognitivas. Que habilidades são essas, e qual foi a
conclusão da pesquisa?
Uma
parte importante do sucesso é sentar e fazer a tarefa. No meu trabalho,
tem muita coisa que acho interessante e que provavelmente faria mesmo
que não me pagassem. Mas há outras extremamente chatas, que demandam
persistência e motivação, e que precisam ser feitas.
O
que fizemos em 2006 foi estudar o impacto das habilidades
não-cognitivas controlando pela inteligência tradicional. Fizemos isso
medindo o impacto de programas em envolvimento em crimes, uso de drogas,
maior propensão ao desemprego, gravidez na adolescência, entre outros.
A
partir daí, percebemos que o impacto mais importante dos programas que
analisamos não estava em habilidades mensuradas por testes de matemática
ou linguagem.
O
problema é que toda a política educacional dos EUA hoje está voltada
para obter resultados nesse tipo de testes. Mas eles nos dizem pouco em
relação a outros aspectos fundamentais para verificar se a pessoa foi
bem sucedida, como sua inserção no mercado de trabalho ou a menor
dependência de programas sociais.
Também
no Brasil, estamos reduzindo o debate sobre a qualidade da escola a
testes de português e matemática. Parece que tudo gira em torno da nota
do Ideb (indicador de qualidade do governo federal) ou do Pisa (teste
internacional que compara o desempenho de alunos por país). O objetivo
da escola é muito maior do que aprender a ler e fazer conta. É preparar
para a vida.
fonte: http://www1.folha.uol.com.br
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