Definição de Competência
Por Vivian Rio
É
comum dizer que uma pessoa é competente. Mas definir o que é
competência não é tão simples assim. Prova disso é que existem diversas
teorias e vários autores que (tentaram) definiram esse termo.
Comecemos pelos teóricos da área da educação, que muito se baseiam nos estudos de Perredoud.
Segundo Ferreira (1999, p. 512), é a capacidade de compreender uma determinada situação e reagir
adequadamente frente a ela, ou seja, estabelecendo uma avaliação dessa
situação de forma proporcionalmente justa para com a necessidade que ela
sugerir a fim de atuar da melhor forma possível. É a qualidade de quem é
capaz de apreciar e resolver certo assunto, fazer determinada
coisa; capacidade, habilidade, aptidão, idoneidade. [Está relacionada à]
oposição, conflito, luta. Note os destaques para as palavras
compreender, reagir, capaz de apreciar e resolver. Mais adiante
retomaremos essa definição.
Para
Alessandrini (2002) e Ferreira (1999), a competência relaciona-se ao
“saber fazer algo”, que, por sua vez, envolve uma série de habilidades. Note que a noção de competência acaba nos remetendo a outro.
Habilidade, de acordo com Ferreira (1999, p. 395), é o notável desempenho e elevada potencialidade
em qualquer dos seguintes aspectos, isolados ou combinados: capacidade
intelectual geral, aptidão específica, pensamento criativo ou produtivo,
capacidade de liderança, talento especial para artes e capacidade
motora.
Só
que essa definição soa como se o indivíduo nascesse com certa
habilidade (ou talento). Na realidade, quando se trata de habilidade,
seja qual for, qualquer pessoa pode desenvolvê-la. Uns podem ter mais
facilidade do que outros, mas não se pode dizer que uma pessoa não é
capaz de desenvolver uma habilidade.
Pelas
duas definições acima apresentadas, podemos dizer que a competência
implica uma certa concorrência entre diferentes elementos presentes em
uma situação-problema, por exemplo, e pode manifestar-se por intermédio
da aptidão para resolvê-los, ou seja, habilidades que expressam a
capacidade que o indivíduo possui para encontrar uma solução para a
questão que se apresenta a ele.
Dessa
forma, segundo Alessandrini (2002), a competência manifesta-se em um
conjunto, por meio da articulação de diversas habilidades. Durante o
processo de equilibração majorante, a competência representa o resultado
do diálogo entre habilidades e aptidões que possuímos, as quais
acionamos para buscar um novo patamar de equilíbrio quando entramos em
desequilíbrio, pois há uma transformação a ser processada. Esse novo
patamar implica uma nova organização dentro do caos representado pelo
desequilíbrio temporário e fundamental para a evolução do sistema.
Durante esse processo, observamos dinamismos, como a capacidade para
estabelecermos relações de semelhança e diferença que explicitam
aptidões já adquiridas, expressas por meio de habilidades para
discriminar. E assim, sucessivamente, com a presença de outras redes de
esquemas que dialogam constante e continuamente para desvendar
estratégias possíveis que criam e constituem novas respostas para
situações-problemas novas ou antigas.
É
como um novo modo de observar a proporcionalidade que se manifesta
agora com uma nova direção precisa, porém envolvendo muitas outras
habilidades já adquiridas e relacionadas a outras capacidades e
aptidões. Logo, como afirma Alessandrini (2002), a orquestra que se
impõe nesse momento refere-se à competência evocada e única, notadamente
ligada à problemática que estiver ali presente para ser resolvida.
Nessa
orquestra, as habilidades dos sujeitos representam os instrumentos a
serem tocados em conjunto. Entretanto, podemos observar também que esses
mesmos instrumentos solicitaram intenso estudo e exercício de
habilidades que possuem uma orquestração própria –que demandam
competências também específicas – até estarem prontos para participar da
orquestra maior.
Cabe
salientar que os conceitos de habilidade e competências apresentam
especificidades conforme a ótica pela qual analisamos, de acordo com a
posição relativa que ocupam dentro do sistema. Sendo assim, não se trata
de uma definição linear. A definição apresentada por Perrenoud e
seguida pelos autores acima apresentados é de uma competência inserida
no contexto de uma visão sistêmica. Esse sistema permanece em constante
movimento e que, por essa razão, reconhece determinado aspecto ora como
habilidade ora como competência. Essa dinâmica constante da articulação
de tais conceitos, dentro do sistema, envolve um diálogo entre parte e
todo.
Já
Macedo (1999, 2000) apresenta a concepção de competência como uma
síntese plena de concorrência. Entende-se, nesse caso, que diferentes
habilidades concorrem em uma determinada situação para que a competência
possa emergir.
Embora
as definições apresentadas acima, com base em Perrenoud, sejam
interessantes, há uma definição de competência muito utilizada na área
empresarial, especialmente na de gestão de pessoas por competências, que
parece ser mais concreta, pragmática e, portanto, mais aplicável.
Essa
definição é conhecida pelo famoso ideograma “CHA”, que serve para
designar Conhecimento, Habilidade e Atitude, os quais compõem a
competência. É uma maneira de se procurar definir o sentido de
competência a partir de um referencial no qual ela possa ser mensurada -
e até mesmo comparada a padrões internacionais. E é um dos modelos mais
atuais com o quais as melhores empresas trabalham hoje para avaliar
seus colaboradores. Vale a pena trazer para a realidade do
professor/educador esse ideograma:
O C significa conhecimento sobre algo. Diz respeito à pessoa dominar um determinado know-how a respeito de algo que tenha valor para empresa e para ela mesma. É o saber.
O H significa habilidade
para realizar/ produzir resultados com o conhecimento que se possui.
Diz respeito à pessoa conseguir fazer algum uso real do conhecimento que
têm, produzindo algo efetivamente. É o saber fazer.
O A significa atitude
assertiva e pró ativa/ iniciativa. Diz respeito ao indivíduo não ser
agressivo nem passivo, não esperar algo acontecer ou alguém ter que dar
ordens, e fazer o que percebe que deve ser feito por conta própria. É o querer fazer.
O
grande diferencial dessa abordagem é que, antes, a noção de competência
era associada principalmente ao domínio de um determinado conhecimento.
Assim, alguém que dominava muito bem algum assunto era chamado de
competente. Então quem saía da escola ou da universidade “sabendo” muito
ou era um aluno “muito estudioso” era considerado muito competente.
Segundo
a concepção atual, alguém pode ser considerado bastante incompetente
mesmo que domine muito bem um assunto, se não tiver a habilidade e a
atitude para produzir resultados com isso. É o caso daquela pessoa que
leu mil livros, fez diversos cursos, mas não consegue realizar um
trabalho sequer. Na escola, diz-se muito: aquele professor sabe muito do
assunto, mas não sabe ensinar.
Da
mesma forma, alguém entusiasmado e cheio de atitude pode ser
incompetente se não dominar os conhecimentos necessários e a habilidade a
um bom desempenho de uma atividade. É aquele indivíduo cheio de planos e
energia, que acaba não obtendo sucesso escolar ou profissional por não
saber muito bem “o que” e “como fazer”.
Note
que, diferentemente das definições de Ferreira (1999), em que saber e
fazer, compreender e ser capaz apareciam, simultaneamente, na definição
tanto de habilidade quanto de competência, nessa abordagem do CHA o
verbo saber refere-se a conhecimento e saber fazer à habilidade. Além disso, há um elemento adicional importante: a atitude.
Para pensar:
Em relação ao professor/ educador:
- · Saber que é preciso dar aulas diferenciadas – menos tradicionais (conhecimento) não significa que o professor/educador saiba ministrar aulas com técnicas voltadas aos alunos, contextualizando as informações (habilidade).
- · Mesmo que o professor/educador saiba técnicas diferenciadas, voltadas aos alunos e motivadoras, pode ser que ele não queira aplicá-las, por algum motivo (atitude).
Em relação ao aluno/aprendiz:
- · Saber gramática (conhecimento) não significa saber escrever de acordo com a normal culta (habilidade).
- · Saber escrever de acordo com a norma culta (habilidade) não garante que o aluno/ aprendiz redija uma redação conforme orientação do professor/educador. Esse aluno pode simplesmente não querer escrever a redação (atitude).
Com base no ENEM:
Vamos
analisar a Matriz de Competências do ENEM. Tendo em vista a composição
dessa matriz, professores de todas as disciplinas ou temas do ensino
médio reuniram-se e tentaram explicitar o que buscavam desenvolver por
meio de suas disciplinas e de seus programas, considerando a formação
pessoal de um aluno, ao final da educação básica. Um complexo exercício
de fusão de horizontes, de concessões tópicas com vista a objetivos mais
amplos, em uma perspectiva menos paroquial, mais humana, conduziu um
grupo de cerca de 30 profissionais a um espectro de cinco competências
fundamentais, enunciadas de forma sintética:
- · Capacidade de expressão em diferentes linguagens;
- · Capacidade de compreensão de fenômenos físicos, naturais e sociais;
- · Capacidade de referir os conceitos disciplinares a contextos específicos, enfrentando situações-problema;
- · Capacidade de argumentar, de negociar significados, buscando acordos por meio do discurso;
- · Capacidade de projetar ações, de pensar propostas de intervenção solidária na realidade.
Para
referir cada uma dessas competências gerais ao âmbito do ensino médio,
aproximando-as dos programas das diversas disciplinas, buscou-se, então,
explicitar suas formas de manifestação. Assim, as formas de realização
das competências foram chamadas de habilidades. Por exemplo, a
competência “capacidade de compreensão de fenômenos” foi traduzida em um
feixe de habilidades que inclui:
- · A compreensão da relevância, do significado do ciclo da água para manutenção da vida;
- · A compreensão da importância da energia em suas diversas formas, de suas transformações e de seu uso social;
- · A compreensão do caráter sistêmico do planeta, reconhecendo a importância da biodiversidade para a preservação da vida.
Um
feixe de habilidades, referidas a contextos mais específicos,
caracteriza a competência no âmbito prefigurado; é como se as
habilidades fossem microcompetências, ou como se as competências fossem
macro-habilidades. Para desenvolver as habilidades, recorre-se às
disciplinas, que são apenas meios para isso.
Assim
o importante é a compreensão do ciclo da água ou das transformações de
energia, e não o fato de tal compreensão ter se realizado
especificamente nas aulas de física, de biologia, de química ou de outra
disciplina.
As
habilidades funcionam como âncoras para referir as competências aos
âmbitos nos quais se realizarão as competências, evitando-se o desvio de
ancorá-las diretamente nos programas das disciplinas, o que conduz ao
risco inerente de transformá-los em fins em si mesmos.
Com base nas suas atividades em sala de aula:
- Você já buscou identificar que competências está desenvolvendo a partir das atividades que propõe aos alunos?
- Tente definir que conhecimentos e que habilidades são essenciais nas aulas de português.
- Qual é a sua atitude em relação a uma mudança de prática em sala de aula?
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