Pular para o conteúdo principal

7º ano 

  • Leitura:
O diamante azul
Arthur Conan Doyle
O carbúnculo azul

Título original: The Blue Carbuncle
Publicado pela primeira vez na Strand Magazine,
em Janeiro de 1892 e com 8 ilustrações de Sidney Paget.

Sobre o texto em português:
Este texto digital reproduz a
tradução de The Blue Carbuncle publicado em
As Aventuras de Sherlock Holmes, Volume II,
editado pelo Círculo do Livro
e com tradução de Hamílcar de Garcia.
    Fui visitar o meu amigo Sherlock Holmes na segunda manhã depois do Natal, com a intenção de lhe apresentar meus cumprimentos. Ele estava recostado no sofá, envolto num roupão azul, o cachimbo do lado direito e, ao alcance da mão, um maço de jornais amarrotados, evidentemente consultados há pouco. Ao lado havia uma cadeira sobre cujo espaldar estava pendurado um chapéu de feltro, bastante velho, de aspecto repulsivo e até rasgado em diversos lugares. Uma lente e uma pinça encontravam-se no assento da cadeira, o que sugeria que o chapéu estava ali para ser mais cuidadosamente examinado.
— Vejo que está ocupado — disse eu; — talvez o incomode.
— Nada disso. Gosto de ter um amigo por perto para poder discutir minhas pesquisas. O assunto é muito comum — e apontou com o polegar para o chapéu velho —, mas há alguns pontos relacionados com ele que possuem um certo interesse e são até instrutivos.
    Sentei-me na poltrona e aqueci as mãos junto da lareira, pois fazia tanto frio que havia cristais de gelo nas janelas.
— Suponho — observei — que, embora pareça comum, este caso tenha algo de fatal de permeio, ou seja, a pista que vai guiá-lo na solução de um mistério e contribuir para a punição de algum culpado...
— Não, não. Nenhum crime... — disse Sherlock Holmes rindo. — Somente um daqueles engraçados incidentes que surgem quando há quatro milhões de seres humanos acotovelando-se dentro do espaço de poucos quilômetros quadrados. Entre a ação e a reação de tão densa colmeia humana, pode-se esperar que aconteça a maior combinação de fatos possível e surjam muitos problemas estranhos e bizarros, que nem por isso são crimes. Disso já temos experiência....
— Tanta — ponderei —, que dos últimos seis casos que juntei às minhas anotações, três estavam isentos de qualquer resquício de crime legal.
— Precisamente. Você se refere aos esforços que fiz no sentido de recuperar os documentos em poder de Irene Adler; ao singular caso da jovem Mary Sutherland e à aventura com o homem da boca torta. Bem, não duvido que o caso presente caia na mesma categoria inocente. Conhece o comissário Peterson?
— Conheço.
— Este trofeu lhe pertence...
— É o chapéu dele?
— Não, não. Ele o encontrou. Não se sabe quem é o dono. Examine-o, não como a um chapéu velho, mas como um problema intelectual. Mas, em primeiro lugar, deixe-me contar-lhe como veio parar aqui. Chegou no dia de Natal, juntamente com um belo ganso gordo, o qual, a estas horas, não duvido, está sendo bem assado no fogão, em casa de Peterson. Os fatos são estes: às quatro horas da manhã, mais ou menos, no dia de Natal, Peterson, que, como sabe, é um homem honesto, regressava de uma festa e dirigia-se para casa, passando pela Tottenham Court Road. À sua frente caminhava um homem de altura regular, cambaleando, à luz fraca do gás, e carregando às costas um ganso. Quando chegou à esquina da Goodge Street, deu-se um conflito entre o homem do ganso e um bando de vagabundos. Um desses derrubou o chapéu do homem, que, tentando defender-se, levantou a bengala e com esse gesto quebrou a vitrina da loja que estava às suas costas. Peterson tinha se adiantado para proteger o homem contra os assaltantes, mas ele, amedrontado por ter quebrado os vidros e vendo que alguém de uniforme se dirigia para ele apressadamente, largou o ganso e fugiu em disparada, sumindo no labirinto de ruelas que ficam atrás da Tottenham Court Road. Os vagabundos também correram, devido ao aparecimento de Peterson, e assim ele ficou de posse do campo de batalha e também dos trofeus da vitória, que se compunham deste chapéu maltratado e do ganso, um dos melhores que ele poderia esperar para o Natal.
— Que com certeza restituiu ao dono...
— Meu caro, aí está o problema. É verdade que havia um cartãozinho onde estava escrito "Para a sra. Henry Baker" amarrado à perna esquerda do ganso; é também verdade que as iniciais H. B. são ainda perceptíveis no forro do chapéu; mas como há milhares de pessoas com o sobrenome Baker, e algumas centenas de Henry Baker nesta nossa cidade, não é muito fácil restituir uma coisa perdida a qualquer um deles...
— Que foi que Peterson fez, então?
— Trouxe-me o chapéu e o ganso aqui para casa, na própria manhã do dia de Natal, sabendo que me interesso pêlos menores e até mais insignificantes problemas. Guardou-se o ganso até hoje, mas havia sinais, apesar do frio, de que devia ser comido sem mais demora. Seu descobridor levou-o, portanto, para que suceda à referida ave aquilo que é o destino determinado de todos os gansos, enquanto eu fico aqui com o chapéu do cavalheiro que perdeu o seu especialíssimo jantar ou ceia de Natal.
— Ele não pôs um anúncio no jornal?
— Não.
— Então que pista você poderá encontrar para identificar o homem?
— Somente o que pudermos deduzir.
— Do chapéu dele?
— Precisamente.
— Está brincando. O que é que se pode colher deste velho chapéu amarrotado?
— Aqui está a lente. Você conhece os meus métodos. Veja o que pode deduzir quanto às características do homem que usava este artigo!
    Tomei o objeto rasgado nas mãos e virei-o para um lado e outro, um tanto contrafeito. Era um chapéu preto comum, redondo e muito gasto. O forro era de seda vermelha, mas estava descorado. Não tinha o nome do fabricante, mas, como Holmes observara, viam-se bem as iniciais H. B. Na aba restara o nó do elástico que o segurava, mas do elástico, nem sinal. Estava coberto de pó e com algumas pequenas manchas; nos pontos descorados fora aplicada tinta preta.
— Não vejo nada — ripostei, devolvendo-lhe o chapéu.
— Pelo contrário, Watson, pode ver tudo. O que é preciso é raciocinar. Você é muito tímido e receia errar em suas conclusões.
— Então diga-me o que você pode deduzir desse chapéu...
Holmes segurou-o e olhou-o daquele modo introspectivo que lhe era tão peculiar.
— Sugere menos do que se poderia esperar; contudo, há algumas coisas muito claras, e outras que nos dão apenas alguns indícios. O homem é um intelectual, é mais do que evidente; acha-se atualmente em péssimas condições de vida, o que acontece de uns três anos para cá, pois antes disso vivia bem. Anteriormente, era cuidadoso, mas seu cuidado diminuiu de uns tempos para cá, o que é sinal evidente de decadência moral, a qual, aliada ao declínio de seus bens, deve ter sido causada por alguma influência perniciosa, talvez a bebida, e essa pode ser a razão por que a mulher deixou de cuidar dele e talvez já não o ame.
— Meu caro Holmes!
— Ele ainda possui um pouco de brio — disse Holmes, sem fazer caso da minha exclamação —, é homem de vida sedentária, sai pouco, é de meia-idade, tem cabelos grisalhos (cortados há poucos dias) e usa brilhantina. Esses são os dados que se podem deduzir do chapéu. E é muito provável que ele não tenha gás em casa...
— Você certamente está brincando, Holmes.
— Nem pense nisso. Será possível que, mesmo depois de eu ter salientado esses pontos, você não descubra mais nada?
— Reconheço que sou muito lento, e tenho de confessar que não posso segui-lo. Por exemplo, como deduziu que o dono do chapéu é um intelectual?
Em resposta, Holmes pôs o chapéu na cabeça, o qual lhe desceu pela testa até o nariz.
— É uma questão de capacidade cúbica — disse ele. — Um homem de cabeça grande deve ter alguma coisa dentro dela.
— E o declínio da fortuna?
— Este chapéu é usado há três anos. Esta aba chata com o debrum virado para cima começou a ser usada naquela época, isto é, há três anos. É um chapéu da melhor qualidade. Veja a qualidade do forro e a fita de seda ao redor. Se o homem pôde comprar um chapéu desta qualidade há três anos e não comprou outro, é certamente porque as coisas não lhe correm bem.
— Na verdade, parece claro. Mas, e quanto a seu cuidado e a sua moral?
    Sherlock Holmes riu-se.
— Aqui está o cuidado — disse, colocando o dedo sobre a marca e o nó do elástico. — Nunca é vendido com o chapéu, mas colocado depois, a pedido do freguês. Trata-se de uma precaução contra o vento. Depois o elástico rebentou e ele não o renovou, o que é sinal de fraqueza. Por outro lado, ele procurou esconder as manchas cobrindo-as de tinta, o que demonstra um certo respeito pessoal.
— Seu raciocínio é realmente plausível.
— Os outros pontos notados, isto é, que o homem é de meia-idade, tem cabelos grisalhos cortados recentemente e usa brilhantina, podem ser claramente vistos pelo exame do forro. A lente mostra muitos pequeninos fios de cabelos, bem cortados pela tesoura do barbeiro. Grudam-se e cheiram a brilhantina. Este pó, repare, não é o pó arenoso da rua, mas o pó leve de dentro de casa, o que prova que o chapéu fica pendurado a maior parte do tempo, enquanto as marcas de umidade são provas de que o dono transpira muito e, portanto, não goza de perfeita saúde.
— Mas, e a esposa que já não o ama, conforme você diz?
— Este chapéu não é escovado há muitas semanas. Quando eu o encontrar com o pó acumulado no chapéu e sua esposa consentir em deixá-lo sair de casa nesse estado, receio ter de pensar que começa a perder a afeição de sua mulher.
— Mas ele pode ser um solteirão!
— Não, senhor. Ele levava um ganso para casa como uma oferta de paz para a esposa. Não se esqueça do cartão na perna da ave.
— Você tem resposta para tudo. Mas por que diz que não há gás na casa dele?
— Por causa de alguns pingos de vela aqui, repare. O indivíduo está habituado a subir a escada com o chapéu numa das mãos e a vela na outra. Pelo menos, que eu saiba, não pingam gotas de velas das instalações de gás. Está satisfeito?
— É tudo muito engenhoso! — respondi eu, rindo. — Mas, já que você afirma não haver crime e que nada aconteceu de grave, senão a morte de um ganso, não acha que está perdendo muita energia com suas investigações?
    Sherlock Holmes abriu a boca para responder, mas nesse instante a porta escancarou-se e o comissário Peterson entrou correndo, as faces coradas e o rosto demonstrando que estava atordoado com qualquer surpresa.
— O ganso, Sr. Holmes, o ganso... — exclamou, ofegante.
— Hem? O ganso? O que foi feito dele? Ressuscitou e voou pela janela da cozinha? — E Holmes virou-se no sofá para ver melhor o rosto perturbado do homem.
— Olhe aqui. Veja o que minha mulher encontrou no papo!
    Estendeu a mão, mostrando na palma uma bela pedra azul-cintilante, mais ou menos do tamanho de um feijão, mas de tal brilho que cintilava como uma lâmpada elétrica na penumbra da sua mão meio fechada.
    Sherlock Holmes sentou-se e assobiou.
— Ora, Peterson, isto é um tesouro de grande valor! Suponho que você sabe o que tem aí.
— Um diamante, Sr. Holmes! Uma pedra preciosa. Corta o vidro como se fosse massa.
— É mais que pedra preciosa. É a pedra preciosa.
— Não é o carbúnculo azul da condessa de Morcar? — explodi eu.
— Precisamente. Devo conhecer o tamanho e a forma, visto que li os anúncios no Times durante estes últimos dias. É única no gênero, e seu valor não pode ser bem avaliado; a recompensa oferecida de mil libras não é sequer a vigésima parte do valor da pedra.
— Mil libras! Deus do céu! — O comissário caiu na cadeira e olhou-nos, um após o outro, estupefato.
— É a recompensa oferecida, e sei que há aspectos sentimentais envolvendo a pedra que poderiam induzir a condessa a oferecer metade de sua fortuna para recuperá-la.
— Foi perdida, se não me engano, no Hotel Cosmopolitan — observei.
— Justamente. No dia 22 de dezembro; portanto, há cinco dias. John Horner, um encanador, foi acusado de ter tirado a pedra do porta-jóias da condessa de Morcar, e as provas são tão fortes que o caso vai ser levado ao tribunal. Creio que tenho aqui alguma coisa — procurou entre os seus jornais, olhando as datas, até que por fim tirou um, alisou-o, dobrou-o um pouco e leu o seguinte título:
"ROUBO DE JÓIAS NO HOTEL COSMOPOLITAN
John Horner, de 26 anos, encanador, foi acusado, no dia 22 do corrente, de ter subtraído do porta-jóias da condessa de Morcar a gema conhecida como 'carbúnculo azul'. James Ryder, guarda do andar superior do hotel, testemunhou, dizendo ter levado Horner ao quarto de vestir da condessa no dia do roubo para que ele soldasse a segunda grade da lareira, que se achava solta. O guarda permaneceu algum tempo no local e depois, atendendo a um chamado, foi-se embora, deixando Horner sozinho. Ao voltar verificou que Horner tinha saído, mas que o cofre tinha sido arrombado e que o porta-jóias da condessa estava vazio em cima da mesa. Ryder deu logo o alarme e Horner foi preso na tarde daquele mesmo dia, mas a pedra não foi encontrada nem nos bolsos nem no quarto do suspeito. Catherine Cusack, a empregada pessoal da condessa, disse que ouviu o grito angustioso de Ryder ao descobrir o furto e entrou no quarto às pressas, onde viu as coisas como a outra testemunha descreveu. O inspetor Bradstreet, da Divisão B, contou como prendeu Horner, o qual lutou desesperadamente e protestou inocência em altos brados. Havia mais uma acusação de furto contra ele; o magistrado recusou tratar do caso sumariamente e decidiu apresentá-lo ao tribunal. Horner, que demonstrara sinais de intensa emoção durante o processo, desmaiou no final e foi levado para fora do salão".
— Hum! Essa é a versão da polícia — disse Holmes, atirando o jornal para um lado. — A questão para nós agora é estabelecer a seqüência dos fatos desde o porta-jóias arrombado até o fim, que é o papo de um ganso na Tottenham Court Road. Como vê, Watson, nossas pequeninas deduções assumiram repentinamente um aspecto muito mais importante e menos inocente. Aqui está a pedra; a mesma pedra que vem do ganso, do ganso que vem do Sr. Henry Baker, o cavalheiro que é o dono do chapéu velho com todas aquelas características com que o aborreci. Agora precisamos procurar muito seriamente esse senhor e descobrir o papel que ele representa neste mistério. Para isso, vamos primeiramente experimentar o método mais simples, e esse é sem dúvida um anúncio em todos os jornais vespertinos; se nada resultar, terei de recorrer a outros métodos.
— Que vai fazer?
— Dê-me um lápis e aquela tira de papel. Bem, vejamos:
"Encontramos na esquina da Goodge Street um ganso e um chapéu de feltro. O Sr. Henry Baker pode reaver os ditos objetos procurando-os às 18:30 de hoje na Baker Street, 221 B".
— Está claro e conciso, não?
— Muito, mas será que ele vai lê-lo?
— É provável que ele leia todos os jornais, visto que a perda foi pesada. Estava tão amedrontado devido à sua infelicidade de ter quebrado a vitrina e à aproximação de Peterson, que só se lembrou de fugir; mas, depois disso, deve ter-se arrependido muito do ato impulsivo de ter largado o ganso. Outra coisa: verá o seu nome, e isso lhe despertará interesse, porque todos os que o conhecem também lhe chamarão a atenção. Olhe, Peterson, vá correndo até a agência de anúncios e mande pôr este anúncio nos jornais vespertinos.
— Em quais deles?
— Oh, no Globe, Star, Pall Mall, St. James's Gazette, Evening News, Standard, Echo e quaisquer outros que lhe ocorram.
— Muito bem, Sr. Holmes. E esta pedra?
— Ah! Sim, deixe-a aqui. Obrigado. E, outra coisa, Peterson: na volta compre outro ganso, e deixe-o comigo, porque precisamos ter um à mão para entregar ao cavalheiro em lugar daquele que sua família está comendo.
Quando o comissário saiu, Holmes pegou a pedra e colocou-a contra a luz.
— É uma pedra bonita, não é? — perguntou. — Veja como brilha e cintila. Serve de núcleo e foco ao crime. Toda pedra autêntica serve ao mesmo fim. É a isca predileta do Diabo. Nas pedras maiores, cada faceta pode representar um ato sangrento. Esta pedra não tem vinte anos. Foi encontrada às margens do rio Amoy, no sul da China, e é espantoso que tenha todas as características do carbúnculo, exceto a cor, que é azul em vez de vermelha. Apesar de seus poucos anos, já tem uma história sinistra: dois assassinatos, uma tentativa de envenenamento, um suicídio e vários furtos, todos por causa destes quatro gramas de carvão cristalizado. Quem diria que tão belo brinquedo seria o precursor da forca e da prisão? Vou fechá-lo na minha caixa-forte e escrever uma linha à condessa dizendo onde a pedra se encontra guardada.
— Você pensa que o tal Horner está inocente?
— Não posso dizer.
— Mas acha que o outro, esse Henry Baker, teve alguma coisa a ver com o caso, não é?
— Acho que é muito mais possível que esse Henry Baker esteja inocente, e que não tivesse a mínima idéia de que a ave que carregava tinha mais valor que seu peso em ouro. Isso, aliás, será esclarecido com um teste muito simples, se obtivermos resposta ao nosso anúncio.
— E não pode fazer mais nada até lá?
— Nada.
— Nesse caso continuarei a fazer minhas visitas profissionais, mas voltarei à tarde, à hora que você mencionou, porque gostaria de ver a solução de tão emaranhado assunto.
— Ficarei satisfeito em vê-lo. Janto às dezenove horas. Há uma galinhola, creio. É verdade: em vista dos acontecimentos recentes devo pedir à Sra. Hudson para examinar o papo da ave!
Demorei-me com um cliente, e já passava das dezoito horas quando cheguei de novo à Baker Street. Ao aproximar-me da casa vi um homem alto, de boné escocês, o sobretudo abotoado até o pescoço, à espera de que a porta se abrisse, no semicírculo de luz que havia por cima desta. No momento em que parei, a porta abriu-se, e juntos nos dirigimos aos aposentos de Holmes.
— Sr. Henry Baker, creio — disse ele, levantando-se da sua poltrona e saudando o visitante com aquele ar de jovialidade que tinha tanta facilidade em assumir. — Peço-lhe o favor de se sentar nesta cadeira perto do fogo, Sr. Baker. A noite está fria, e vejo que sua circulação é mais adequada ao clima de verão do que ao de inverno. Ah! Watson, chegou na hora. É aquele o seu chapéu, Sr. Baker?
— Sim, senhor, é sem dúvida o meu chapéu.
Era um homem grande, de ombros curvos, cabeça enorme, rosto largo e olhar inteligente, e barba pontiaguda, castanha, com laivos grisalhos. O nariz e as faces estavam um tanto vermelhos, e a mão estendida tremia um pouco, o que me fez lembrar as conclusões de Holmes a respeito dos hábitos do homem. A casaca estava abotoada até o pescoço, a gola, levantada; os pulsos magros apareciam sob as mangas sem sinal de punhos de camisa. Falava de modo vacilante e baixo, escolhendo as palavras com cuidado, dando a impressão de ser um homem educado e letrado que tivera pouca sorte.
— Guardamos estas coisas durante alguns dias — disse Holmes — porque esperávamos ver um anúncio seu dando-nos o endereço. Não percebo por que não as reclamou pêlos jornais.
    Nosso visitante soltou uma risada, meio envergonhado.
— Não tenho nadado em dinheiro ultimamente... — observou. — Estava convencido de que tinham sido os vagabundos que me assaltaram que haviam levado tanto o meu chapéu como a ave, e não queria gastar mais dinheiro na esperança inútil de recuperá-los.
— Naturalmente. Por sinal, quanto à ave, fomos obrigados a comê-la.
— Comê-la! — Nosso visitante fez menção de se levantar da cadeira, com a surpresa.
— Sim, acabaria indo para o lixo, se não o tivéssemos feito. Mas presumo que aquele outro ganso que está em cima do bufe, e que é mais ou menos do mesmo tamanho e bem fresco, lhe servirá tão bem como o outro...
— Oh, certamente — respondeu o Sr. Baker com um suspiro de alívio.
— O certo é que ainda temos as penas, as pernas e o papo da ave, se ainda os quiser...
    O homem deu uma gargalhada.
— Talvez me servissem como lembrança da minha aventura — disse ele —, mas, fora isso, não vejo para que serviriam os disjecta membra, da minha última companheira. Não, senhor, com sua permissão, darei toda a atenção e cuidados à excelente ave que vejo ali.
    Sherlock Holmes lançou-lhe um olhar intenso e encolheu os ombros.
— Ali está o seu chapéu, então, e a ave — disse ele. — A propósito, o senhor poderia nos dizer onde obteve o outro ganso? Interesso-me pela compra de aves, e raras vezes tenho visto ganso mais perfeito.
— Sim, senhor — disse Baker, que se havia levantado e colocara sua nova propriedade debaixo do braço. — Alguns de nós freqüentamos a Taberna Alpha, perto do museu. . . estamos mesmo dentro do museu durante o dia, compreende? Este ano o nosso hospedeiro, de nome Windigate, instituiu o Clube do Ganso, pelo qual, com a contribuição de alguns níqueis por semana, podemos receber um ganso no Natal. Paguei os meus pence, e quanto ao resto o senhor já sabe. Fico-lhe muito grato, pois um boné escocês não é adequado à minha idade nem à minha gravidade.
    Com um ar pomposo, fez uma vênia muito solene e foi-se embora.
— Tudo resolvido a respeito do Sr. Baker — disse Holmes, depois de ter fechado a porta. — É mais que certo que ele não sabe nada do caso. Está com fome, Watson?
— Não muita.
— Então sugiro que do jantar façamos uma ceia, e vamos seguir esta pista enquanto está quente.
— Certamente.
    Era uma noite de muito frio, e por isso vestimos as capas e enrolamos o cachecol ao redor do pescoço. Fora, as estrelas brilhavam friamente num céu sem nuvens, e o ar que aspirávamos saía-nos como fumaça das bocas. Em quinze minutos encontramo-nos em Bloomsbury, na Taberna Alpha, que é uma pequena casa de bebidas na esquina de uma das ruas que descem para Holborn. Holmes empurrou a porta do bar reservado e pediu dois copos de cerveja ao proprietário, que vestia um avental alvo ê tinha o rosto vermelho.
— Sua cerveja deve ser excelente, se for tão saborosa como os seus gansos — disse Holmes.
— Meus gansos! — O homem parecia surpreso.
— Sim, ainda há meia hora estive conversando com o Sr. Henry Baker, que é membro do seu Clube do Ganso.
— Ah, sim, agora entendo. Mas, o senhor sabe, os gansos não são nossos.
— Deveras? De quem são então?
— Bem, eu encomendei duas dúzias a um vendedor do mercado de Covent Garden.
— Ah, sim? Conheço alguns. A qual deles?
— Breckinridge é o nome dele.
— Ah! Não o conheço. Bem, à sua saúde, senhor, e prosperidade para a sua casa. Boa noite.
    "Agora vamos ao Sr. Breckinridge", continuou ele, abotoando o sobretudo, quando saíamos para o ar frígido.
    "Lembre-se, Watson, de que, embora tenhamos uma coisa tão doméstica como um ganso na extremidade de uma corrente, temos na outra um homem que pode merecer sete anos de prisão até que seja provada a sua inocência. É possível que nossas investigações aumentem a sua culpabilidade; todavia, temos uma pista que a polícia perdeu. Vamos para o lado sul, e depressa."
    Assim, atravessamos Holborn, descemos a Endell Street e entramos pêlos cortiços do mercado de Covent Garden. Uma das maiores bancas tinha o nome de Breckinridge, e o proprietário, um homem grosseiro, de rosto pontudo e suíças, ajudava um rapaz a trancar as portas.
— Boa noite. Está frio hoje — disse Holmes. O negociante confirmou com a cabeça e lançou um olhar rápido ao meu amigo.
— Vejo que vendeu todos os gansos — continuou Holmes, apontando as mesas cobertas de mármore.
— Posso vender-lhe quinhentos amanhã.
— Isso não me adianta.
— Bem, há ali alguns, na banca perto da lâmpada de gás.
— Ah! Recomendaram-me que viesse ter com o senhor.
— Quem?
— O proprietário da Alpha.
— Ah, sim, mandei-lhe duas dúzias.
— Excelentes aves, aquelas. Onde as arranjou?
    Para minha surpresa, a essa pergunta o homem ficou furioso e gritou:
— Olhe, senhor! — Levantou a cabeça e pôs as mãos nos quadris, — O que é que o senhor quer saber? Diga-o diretamente.
— Já disse. Gostaria de saber de quem comprou os gansos para a Alpha.
— Não lhe respondo. Está perdendo tempo.
— Oh, não é assim coisa de tanta importância; mas não sei por que o senhor ficou tão furioso.
— Furioso! Você também ficaria furioso se tivesse tantos aborrecimentos como eu tenho tido. Quando pago bom dinheiro por um objeto, concluí um negócio e pronto. Mas ouvir a toda hora: "Onde estão os gansos?" "A quem vendeu os gansos?", e ainda "Quanto quer pêlos gansos?" Até parece que são os únicos gansos do mundo, para se ouvir tanta conversa a respeito deles.
— Bem, mas não tenho nada com as outras pessoas que lhe fizeram perguntas — disse Holmes desinteressadamente. — Se o senhor não quer dizer, desisto da aposta, é só isso, mas sempre aposto na minha própria opinião, e agora mesmo estava pronto a apostar que aquelas aves foram criadas no campo.
— Bem, então o senhor perdeu sua aposta, porque foram criadas na cidade — rugiu o negociante.
— Não acredito.
— Digo-lhe que foram.
— Não acredito.
— O senhor pretende saber mais a respeito de galináceos do que eu, que cuido deles desde criança? Digo-lhe que todas aquelas aves vendidas para a Alpha foram criadas na cidade.
— Nunca me convencerá disso.
— Aposta, então?
— É apenas para ganhar o seu dinheiro, porque sei que tenho razão, mas lá vai uma libra só para ensiná-lo a não ser tão obstinado.
O vendedor riu-se.
— Traga-me os livros, Bill — pediu ele.
    O rapazinho desenterrou um volume pequeno e outro maior, de capas ensebadas, e atirou-os ambos para debaixo da lâmpada.
— Agora, Sr. Presunçoso, vai ver que, além dos gansos, há muitas outras bestas neste mundo! Vê este livrinho?
— Sim.
— Aqui está a relação das pessoas de quem compro, está vendo? Bem, deste lado são pessoas do campo, e os números ao lado dos nomes são as contas do livro grande. Está vendo esta página a tinta vermelha!? Bem, são aqueles de quem compro na cidade. Veja o terceiro nome. Leia-o para eu ouvir.
— Sra. Oakshott, 117, Brixton Road... 249 — leu Holmes.
— Muito bem. Agora abra o livro grande.
    Holmes abriu-o na página indicada.
— Aí está, Sra. Oakshott, 117, Brixton Road, fornecedora de ovos e galináceos.
— Agora, veja qual foi a última anotação.
— Dezembro, 22. Vinte e quatro gansos, a sete xelins e seis pence cada.
— Muito bem. E por baixo?
— Vendidos ao Sr. Windigate, da Alpha, a doze xelins.
— E agora que mais tem você a dizer?
    Sherlock Holmes parecia muito desgostoso. Tirou uma libra do bolso e atirou-a para cima do mármore, virando-se, como um homem aborrecido que não tinha mais nada a dizer. Uns metros adiante, parou debaixo do candeeiro da rua e riu-se a valer.
— Quando vir um homem com uma barba daquelas e com um jornal sobre corridas no bolso, pode contar que ele aceitará uma aposta. Se eu lhe tivesse posto cem libras na mão, duvido que me tivesse dado informações tão completas quanto as que me forneceu só pela vontade de me vencer. Bem, Watson, creio que estamos chegando ao fim das nossas pesquisas. Resta decidir se devemos ir até a casa da sra. Oakshott hoje ou se é conveniente deixar isso para amanha. É evidente que, pelo que aquele malcriado disse, há outras pessoas ansiosas a respeito do mesmo assunto, e eu...
    Suas observações foram interrompidas por um tumulto que começou na banca de onde havíamos saído. Virando-nos, vimos um homem de cara fina como um rato, em pé, ao centro da claridade da luz amarela da lâmpada ali pendurada, enquanto Breckinridge, à porta da sua banca, o ameaçava com os punhos fechados.
— Já estou farto de você e dos seus gansos — gritou ele. — O diabo os leve a todos! Venha outra vez com essa conversa fiada e solto o cão atrás de você. Traga a Sra. Oakshott aqui e eu responderei a ela, mas a você? O que você tem com isso? Foi de você que comprei os gansos?
— Não, mas um deles era meu, mesmo assim — choramingou o homem.
— Então peça-o à Sra. Oakshott.
— Ela mandou-me falar com o senhor.
— Bem, pode pedir ao rei da Prússia, que não me incomodo. Já chega. Saia daqui. — E correu atrás do homem, que desapareceu na escuridão.
— Ah, talvez este nos poupe uma viagem à Brixton Road — cochichou Holmes. — Vamos ver o que se pode saber deste camarada.
    A passos largos através da multidão, que ainda passeava no meio das bancas, meu companheiro depressa alcançou o homenzinho e lhe tocou no ombro. Ele virou-se de repente, e notei à luz do gás que seu rosto ficou branco e sem um vestígio de sangue.
— Quem é você? O que quer? — perguntou ele em voz trêmula.
— Desculpe-me — disse Holmes suavemente —, mas não pude deixar de ouvir o que aquele vendedor lhe disse agora mesmo. Creio que posso ajudá-lo.
— Você? Quem é você? Como pode saber qualquer coisa a respeito do negócio?
— Meu nome é Sherlock Holmes, e é meu dever saber o que os outros não sabem.
— Mas desse assunto não sabe nada.
— Desculpe-me, mas sei de tudo. Pretende descobrir alguns gansos que foram vendidos pela Sra. Oakshott, da Brixton Road, a um vendedor chamado Breckinridge, e por sua vez ao Sr. Windigate da Alpha, e por ele aos membros do seu clube, de que o Sr. Henry Baker faz parte.
— Oh! É justamente o senhor quem eu queria encontrar — disse o homenzinho com as mãos estendidas e os dedos trêmulos. — Não posso lhe dizer o grande interesse que tenho nesse assunto.
    Sherlock Holmes chamou um carro que ia passando e disse:
— Nesse caso é melhor discutir o assunto numa sala quentinha, e não neste mercado frio. Diga-me, antes de mais nada, a quem tenho o prazer de ajudar?
    O homem hesitou um instante.
— Meu nome é John Robinson — respondeu ele com um olhar de soslaio.
— Não, não, seu nome verdadeiro — disse Holmes afavelmente. — É sempre mais difícil conversar com alguém com um nome falso.
    O rosto dele enrubesceu.
— Bem, então meu nome é James Ryder.
— Precisamente. O guarda do Hotel Cosmopolitan. Tenha a bondade de subir para este carro e já lhe direi tudo quanto deseja saber.
    O homenzinho olhou de um para o outro de nós, entre assustado e esperançoso, como quem não sabe se está com sorte ou à beira de uma catástrofe. Pulou para dentro do carro e em meia hora estávamos de novo na sala da Baker Street. Não se falou durante a viagem, mas a respiração ofegante do nosso novo companheiro e o abrir e o fechar contínuo de suas mãos indicavam a tensão nervosa em que estava.
— Aqui estamos! — disse Holmes alegremente. — Uma lareira é muito agradável neste tempo. Está com muito frio, Sr. Ryder. Por favor, sente-se naquela cadeira de verga. Vou calçar os chinelos antes que comecemos a tratar do seu assunto. Pronto. Então quer saber o que aconteceu àqueles gansos?
— Sim, senhor.
— Ou melhor, àquele ganso, não é? A ave em que, segundo penso, está interessado era branca, com uma lista preta no rabo.
Ryder tremia de emoção.
— Oh, senhor — gritou ele —, pode me dizer para onde foi?
— Veio para cá.
— Aqui?
— Sim, era uma ave maravilhosa. Não me admira que o senhor tenha tanto interesse nela, visto que pôs um ovo depois de morta, o ovo mais bonito, brilhante e azul que jamais vi. Está aqui no meu museu.
    O homem cambaleou ao levantar-se e agarrou-se à lareira com a mão direita. Holmes abriu o cofre e ergueu o carbúnculo, que brilhava como uma estrela. Ryder olhava para a pedra estonteado, não sabendo se deveria reclamá-la ou fingir que não a reconhecia.
— Não adianta, Ryder, acabou-se a farsa; levante-se ou cairá na lareira. Ajude-o a sentar-se de novo, Watson. Não tem sangue suficiente para enfrentar a prisão. Dê-lhe umas gotas de conhaque. Agora parece um pouco mais vivo. Vamos lá, seu medroso!
    O homem olhava para seu acusador com um olhar cheio de medo.
— Tenho todos os elos na mão, e todas as provas de que posso precisar, portanto já não há muita coisa que me possa contar. Contudo, será bom que me conte esse pouco já, para que eu possa completar o caso. Você sabia, Ryder, desta pedra azul da condessa de Mocar?
— Foi Catherine Cusack quem me falou dela — disse ele numa voz esganiçada pelo terror.
— Ah, sim, a aia da condessa. Bem, a tentação de ficar com uma riqueza facilmente obtida foi demais para você, como já foi para homens melhores. Mas você não foi escrupuloso no modo de obtê-la. Parece-me, Ryder, que há material bastante em você para um refinado patife. Você sabia que aquele Horner, o encanador, já tinha algum delito anterior e que a suspeita cairia mais facilmente sobre ele. O que fez então? Você e sua aliada Cusack arranjaram um trabaIhinho para Horner nos aposentos da condessa, e conseguiram que ele fosse chamado e ficasse sozinho lá. Depois, quando ele já havia ido embora, você forçou o porta-jóias, deu o alarme e mandou prender o pobre homem. Então...
    Ryder atirou-se para o tapete e agarrou os joelhos do meu companheiro.
— Pelo amor de Deus, tenha dó! — gritou ele. — Pense no meu pobre pai! Em minha mãe! Despedaçar-lhes-ia o coração. Nunca cometi um delito antes. E nunca mais o farei. Juro-o sobre a Bíblia. Oh, não me deixe aparecer no tribunal. Por amor de Deus, não!
— Sente-se na cadeira! — disse Holmes severamente. — Está muito bem. Agora rebaixa-se, mas não se incomodou com o pobre Horner, que está preso por um crime com que nem sequer sonhou.
— Irei embora, Sr. Holmes, sairei do país, e, então, a acusação que recai sobre ele será nula.
— Hum! Falaremos sobre isso. Vamos agora ouvi-lo contar a verdade toda. Como a pedra foi parar no papo do ganso, e como foi que o ganso chegou ao mercado? Diga-nos a verdade, porque só assim lhe restarão esperanças de escapar ao castigo.
    Ryder molhou os lábios secos com a língua.
— Eu lhe direi como aconteceu, senhor — disse ele. — Depois de Horner ter sido preso, pareceu-me que seria melhor esconder a gema imediatamente, porque não sabia se a polícia se lembraria de dar uma busca no meu quarto e na minha pessoa. Não havia lugar seguro no hotel. Saí como se fosse cumprir uma ordem e dirigi-me à casa de minha irmã. Ela é casada com um homem chamado Oakshott e mora na Brixton Road, onde cria galináceos para o mercado. Cada homem que eu encontrava no caminho parecia-me ser policial ou detetive, e, apesar de estar uma noite de frio intenso, suava copiosamente quando cheguei à Brixton Road. Minha irmã perguntou-me o que é que eu tinha, visto estar tão pálido; mas eu lhe disse que estava impressionado com o furto da jóia no hotel. Depois fui ao quintal, fumei o cachimbo e pensei no que de melhor se poderia fazer.
    "Tive, há tempos, um amigo com quem perdi o contato e que recentemente acabou de cumprir pena na penitenciária de Pentonville. Encontrei-o um dia por acaso, e ele me contou como os ladrões se desfazem dos objetos que roubam. Eu sabia que ele não me entregaria à justiça, por eu saber demais da sua vida particular; por isso resolvi ir diretamente aonde ele mora e contar-lhe o ocorrido. Ele me ensinaria como melhor dispor da gema em troca de dinheiro. Mas como consegui-lo sem ser preso? Lembrei-me das agonias que havia sofrido desde que saíra do hotel; a qualquer momento poderia ser revistado, e ali estaria a pedra, no bolso do meu colete. Estava encostado ao muro, olhando os gansos que me rodeavam, e subitamente veio-me uma ideia que poderia desafiar o melhor detetive que houvesse.
    "Minha irmã tinha me dito, algumas semanas antes, que me daria um ganso dos melhores para o Natal, e eu sabia que a oferta era certa. Então levaria o meu ganso para a casa de Maudsley, meu amigo, em Kilburn, e, no papo dele, a pedra. Havia um pequeno alpendre no quintal, e para trás deste enxotei um dos gansos, um branco, grande, com lista no rabo. Peguei-o e, abrindo-lhe o bico, enfiei-lhe a pedra pela garganta até onde pude chegar com o dedo. Senti a pedra descer até chegar ao papo. A ave bateu as asas e lutou para se livrar. Minha irmã veio saber o que havia, e quando me virei para lhe falar, o bruto soltou-se e foi para o meio das outras aves.
"— O que estava fazendo àquela ave, Jim? — disse ela.
"— Bem — respondi. — Você disse que me daria uma para o Natal, e eu estava apalpando-as para ver qual era a mais gorda.
"— Oh! — exclamou ela —, já escolhemos uma e a separamos para você. O pássaro, é como lhe chamamos. É aquele branco ali. Há vinte e seis ao todo: um para você, um para nós, e duas dúzias para o mercado.
"— Obrigado, Maggie — disse eu —, mas se lhe for indiferente, preferiria aquela ave em que peguei agora mesmo.
"— Mas a outra pesa pelo menos três quilos a mais — disse ela —, e engordamo-la de propósito para você.
"— Não faz mal, quero a outra. Vou levá-la agora.
"— Oh, como quiser — disse ela, ofendida. — Qual é a que você quer então?
"— Aquela branca, com a lista no rabo, que está no meio do bando.
"— Muito bem, pode matá-la e levá-la.
    "Bem, fiz o que ela disse, Sr. Holmes, e levei a ave para Kilburn. Contei ao meu amigo o que tinha feito, pois simpatizava com ele; ele riu até se engasgar. Pegamos numa faca e abrimos o ganso. Meu coração derreteu-se, pois não havia sinal da pedra. Compreendi logo que tinha havido um grande engano. Deixei a ave, regressei à casa de minha irmã 'e fui apressadamente ao quintal. Já não havia mais nenhuma.
"— Onde estão elas, Maggie? — perguntei eu.
"— Foram para o vendedor.
"— Qual vendedor?
"— Breckinridge, de Covent Garden.
"— Mas havia outra ave com lista no rabo além daquela que escolhi?
"— Sim, Jim, havia duas com lista no rabo, e eu não via diferença entre elas.
    "Claro, percebi tudo e corri tão depressa quanto as pernas me podiam levar até a banca de venda de Breckinridge.
    "Mas ele já tinha vendido todas e não quis me dizer a quem as tinha vendido. Os senhores ouviram-no há pouco. Ele sempre me respondeu assim. Minha irmã acha que estou enlouquecendo, e às vezes acredito que é verdade. E agora, que sou um ladrão marcado sem nunca ter tocado na riqueza pela qual perdi a honra, Deus me ajude! Deus me ajude!" E chorou convulsivamente, com o rosto entre as mãos.
    Houve um longo silêncio, quebrado só pelo bater dos dedos de Sherlock Holmes sobre a mesa. Então meu amigo levantou-se e abriu a porta.
— Saia! — exclamou ele.
— O quê, senhor? Oh! Deus o abençoe!
— Nem uma palavra mais, saia daqui!
    E não foi preciso dizer mais nada. Houve uma corrida e um estardalhaço na escada, um bater ruidoso da porta e o som de correria na rua.
— Afinal de contas, Watson — disse Holmes, pegando o cachimbo —, não sou empregado da polícia para suprir suas deficiências. Se Horner estivesse em perigo, seria outra coisa, mas este cavalheiro não testemunhará contra ele e o caso se desvanecerá. Estou cometendo um crime em deixá-lo ir, mas salvo-lhe a alma.
    "Não fará outra igual. Está apavorado. Mande-o para a gaiola e fará dele um bandido para o resto da vida. Além disso, estamos numa época própria para perdoar. O acaso pôs no nosso caminho o mais singular e caprichoso problema, e sua solução é sua própria recompensa. Se quiser ter a bondade de tocar a campainha, doutor, começaremos outra investigação em que também uma ave terá o principal papel."

  • Revisão:
Adjunto adnominal e adjunto adverbial

PORTUGUÊS

anjinha3.gif

Retire das frases os adjuntos adnominais:
a) A menina bonita tem um vestido verde.


bfixa01.gif

b) Cada pé de cana era um oficial.


bfixa01.gif

c) Maria Lúcia é um belo nome de amada.


bfixa01.gif

d) Sua pele macia tem o brilho da lua.


bfixa01.gif

e) Os cabelos de Maria tem um cheirinho de flor.


bfixa01.gif

f) O reflexo da lua prateava as ondas do mar.


bfixa01.gif

g) Alex visitou os seus colegas de classe.


bfixa01.gif

h) A chuva e a geada destruíram toda a plantação.


bfixa01.gif

i) Sua filha tem um nome sonoro e belo.


bfixa01.gif

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PLANO DE AULA: TEMA - VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS

PLANO DE AULA: TEMA - VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS Plano de aula Língua Portuguesa Tema: Variações Linguísticas Tempo: 12 aulas. OBEJETIVOS : - Refletir sobre as variações da língua no decorrer do tempo. - Valorizar as diferenças culturais e linguísticas. - Usar a linguagem com autonomia e sem preconceitos Materiais utilizados e disponíveis neste planejamento . Textos variados; Filme – Tapete Vermelho Exercícios variados Avaliação da aprendizagem 1ª Aula: (momento descontração ) Leitura dos seguintes textos .             I - Declaração Mineira de Amor aos Amigos ... Declaração Mineira de Amor aos Amigos... . Amo ocê ! . Ocê é o colírio du meu ôiu. É o chicrete garrado na minha carça dins. É a mairionese du meu pão. É o cisco nu meu ôiu (o ôtro oiu - tenho dois). O rechei du meu biscoito. A masstumate du meu macarrão. Nossinhora! Gosto dimais DA conta docê, uai. Ocê é tamém: O videperfume DA minha pintiadêra. O dentifriço DA minha iscovdidente.

PLANO DE AULA DO 6º AO 9º ANO

CADERNO DE: PLANOS DE AULA 01 Tema: DESENVOLVIMENTO DO GOSTO PELA LEITURA II OBJETIVOS Identificar o ritmo, a sonoridade, a musicalidade e expressividade presentes no texto. -desenvolver as habilidades de ler, ouvir e interpretar o texto III – Síntese dos procedimentos -Cantar com os professores -Interpretação escrita do texto. Leitura ora e do texto (música: E vamos à luta, de Gonzaguinha) pelos professores e pelos os alunos. -Ouvir com atenção a letra cantada. -Cantar com os professores. -Interpretação oral do texto. IV – Recursos -Professores -Alunos -Aparelho de som / Piloto / Som 02 Tema: PRODUÇÃO DE TEXTO (Quem Conta um Conto ) II - Objetivos -Criar oportunidades para que os alunos descubram a expressão escrita como forma de comunicação e de interlocução. -Despertar o interesse dos alunos para usar a escrita como uma maneira de ter uma visão de mundo mais abrangente e dinamizada. III – Síntese dos procedimentos -Discut

PLANEJAMENTO ANUAL – LÍNGUA PORTUGUESA 8º ano

PLANEJAMENTO ANUAL – LÍNGUA PORTUGUESA      8º ano Professor: Objetivos gerais: ·          Envolver os estudantes em atividades em que serão priorizadas a produção e interpretação de textos. ·          Trabalhar, sistematicamente, a leitura de textos de diferentes gêneros. ·          Construir interpretação crítica na leitura textual abordando tópicos que interessem a faixa etária, consoantes ao contexto sócio-cultural da comunidade intra e extra-classe. ·          Abordar o conteúdo gramatical com base na leitura e produção textual. Conteúdo geral: Ø   1º Bimestre: ·          O texto teatral ·          A crítica ·          Discurso direto e discurso indireto ·          Sujeito indeterminado ·          Oração sem sujeito ·          Conceito de verbo ·          Vozes do verbo ·          Imperativo negativo ·          Modo indicativo ·          Frase e oração ·          Intertextualidade ·          Tu/vós (variedade linguísticas) Ø   2º Bimestre: ·          Crônica ·          Deno